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Casos de maus-tratos contra bebês e crianças em escolas da Serra geram alerta para fiscalização e primeiros sinais de atenção

Supostas mordidas, sufocamentos, empurrões, chutes, tapas e beliscões contra bebês e crianças estão sendo investigados em duas escolas infantis da Serra, sendo uma em Caxias do Sul e outra em Serafina Corrêa. Os episódios, que envolveram diretoras, professoras e a proprietária de uma das instituições, levantam questionamentos sobre ações que previnam e fiscalizem os locais de ensino. Além disso, métodos de cuidados e maneiras de identificar que as vítimas passaram por traumas podem contribuir para que as crianças não tenham consequências futuras e auxiliar as famílias a perceberem sinais de possíveis maus-tratos.

O caso que veio à tona mais recentemente aconteceu em Serafina Corrêa. As duas diretoras da Escola Infantil Ludicamente foram presas preventivamente pela Polícia Civil em 25 de janeiro. Elas são suspeitas de maus-tratos como mordidas e sufocamentos contra bebês e crianças com idades entre sete meses e quatro anos. A situação foi informada aos pais no começo de janeiro por um professor recém-contratado que decidiu expor os maus-tratos. Segundo a polícia, as diretoras seguem presas e o inquérito policial foi prorrogado por mais 10 dias. O Conselho Municipal de Educação determinou o fechamento da escola na semana passada.

Já em Caxias do Sul a Escola Maternal Colorindo o Mundo começou a ser investigada em 1º de novembro de 2023 e fechou temporariamente em 28 de novembro. A denúncia contra a escola foi registrada por um pai à Polícia Civil depois que ele teve acesso a imagens das câmeras de segurança que mostram professoras agredindo as crianças. A Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) indiciou as funcionárias e a proprietária da escola por suspeita de tortura em dezembro.

Na semana passada, as quatro mulheres foram denunciadas à Justiça pelo Ministério Público (MP) e a denúncia foi aceita pelo Poder Judiciário. Nesta ultima segunda-feira (5), um grupo de pais e mães foram até o Ministério Público conversar com a promotoria. Eles cobram providências em relação às demais professoras que, segundo as famílias, viam as agressões sem interceder ou denunciar os atos de tortura.

De acordo com a psicóloga infantil, psicopedagoga e especialista em psicologia educacional Cíntia Jardim, é possível perceber os sinais iniciais de traumas sofridos a partir da atitude das vítimas. Conforme a psicóloga, cada pessoa reage de formas diferentes e, por este motivo, pais e responsáveis devem estar atentos. Os sinais mais comuns apresentados por crianças vítimas de maus-tratos, abusos ou agressões são:

Agitação: a criança passa a ficar agitada, com um comportamento ansioso em diferentes ambientes.
Reclusão: em outros casos, a criança passa a se retrair, deixa de brincar ou participar de atividades que estava acostumada a fazer e gostava de estar inserida.
Sono: o trauma vivenciado pela criança pode afetar o sono, onde a criança começa a ter episódios de insônia, deixando de dormir ou dormindo por mais tempo e pode desenvolver pesadelos repetitivos.
Apetite: a criança começa a perder o desejo de comer ou a comer de forma excessiva;
Agressividade: a criança começa a agredir, morder, beliscar ou praticar atos agressivos com base no que está passando.
Falta de vontade de frequentar lugares: a criança começa a relutar para ir para locais que fazem parte da rotina dela como parques, escola, aulas de ballet e futebol, entre outros.
Segundo Cíntia, maus-tratos na infância têm um impacto direto na formação da personalidade e na autoestima da criança. A agressividade pode se manifestar como uma resposta natural, reproduzindo o comportamento vivenciado. Por outro lado, a criança também pode se tornar excessivamente retraída, aceitando passivamente situações de abuso.

— Um trauma não tratado na infância pode se manifestar de diferentes formas na vida adulta, incluindo problemas de relacionamento, baixa autoestima, aceitação de abusos, e até mesmo o desenvolvimento de vícios como alcoolismo e drogas. O trabalho de intervenção nesses casos é complexo e exige tempo. A criança traumatizada muitas vezes tem dificuldades em confiar em profissionais, exigindo uma abordagem sensível e paciente. Por isso, quanto antes a intervenção começar, maior a chance de sucesso na minimização das repercussões a longo prazo — explica a psicóloga.

— Para fazer esse processo depois do trauma, é preciso proporcionar um ambiente seguro para a criança, permitindo que ela vivencie situações fora do contexto traumático. O cuidado é fundamental e pode ser oferecido através do brincar, com uma abordagem menos invasiva, especialmente em crianças mais novas que não têm pleno domínio da linguagem verbal — orienta Evelise.

O trabalho de adaptação e recuperação, segundo a psicóloga, deve ser um esforço conjunto da família e da criança. Ambos vivenciaram a situação e precisam de recursos para se ajustarem a essa nova realidade. A oferta de cuidados e suporte visa garantir que a experiência não se torne um trauma duradouro para toda a família.

Como é a fiscalização por órgãos públicos
De acordo com o Ministério Público, as fiscalizações em escolas de Educação Infantil são realizadas pelos Conselhos Municipais de Educação que, quando verificam irregularidades que extrapolam suas atribuições, comunicam ao Ministério Público. Em nota, o MP informou que se a irregularidade for no âmbito das normas da educação “a atuação será do respectivo(a) Promotor(a) Regional de Educação, ou, quando houver indícios de crime, a notícia de fato será distribuída ao Promotor de Justiça Criminal para providências cabíveis para apuração do fato e da autoria”. Os órgão também afirma que as Promotorias Regionais de Educação “trabalham a prevenção de violências e orientação dos profissionais de educação em encontros regionais, promovidos nas respectivas regiões”.

Em relação ao caso de Caxias do Sul, a promotora de Justiça responsável pelo caso, Adriana Chesani, e a coordenadora do Centro de Apoio Operacional Criminal e de Acolhimento às Vítimas, promotora de Justiça Alessandra Moura Bastian da Cunha, conversaram com os familiares por mais de duas horas, na última segunda. A promotora Adriana afirmou que o encontrou foi uma oportunidade de esclarecer como é o andamento do processo.

— Foi um momento de esclarecimento de várias dúvidas apresentadas pelos pais das crianças e um relato sobre a forma como a acusação foi feita, quais as possíveis penas, como se dará o andamento do processo e sua participação em futuras audiências. Eles nos transmitiram as aflições e o sofrimento pelos quais estão passando. Foi importante demonstrar que estamos à disposição desses pais, que podem confiar no trabalho do MP — ressalta a promotora.

— Muitos se emocionaram ao se lembrar dos vídeos e por isso essa reunião é uma forma de acolher estas pessoas — afirma.

Em nota, a Secretaria Municipal de Educação (Smed) de Caxias do Sul afirmou estar comprometida com a qualidade da educação de todas as crianças da Rede Municipal de Ensino e salientou que os profissionais que fazem parte da Educação Infantil são comprometidos, e que as escolas infantis de gestão compartilhada recebem sistematicamente assessorias da equipe da secretaria, assim como fiscalização e acompanhamento.

Conforme a secretaria, “na perspectiva de zelar pelo desenvolvimento da primeira infância acompanha de forma permanente a movimentação na rede municipal de ensino. Importante considerar que as escolas particulares (credenciamento com a prefeitura) que o município compra vagas de Educação Infantil também recebem fiscalizações periódicas. Quando surgem informações de conduta inadequada, nestas escolas, imediatamente são apurados os fatos e tomadas as providências”.

A secretária de Educação de Serafina Corrêa, Fernanda Tapparo, afirma que o município não recebeu nenhuma denúncia referente à Escola Infantil Ludicamente, e soube da prisão das proprietárias pela imprensa. Ela ressalta ainda que a instituição era particular e não mantinha convênio com o município. Ainda conforme Fernanda, a prefeitura acompanha o caso:

— Estamos em contato direto como Conselho Municipal de Educação para melhor acolhimento das crianças e assistência às famílias que optarem pela rede municipal. O momento exige ação conjunta entre as esferas.

Ela ressalta que realizaram reuniões com as partes para unificar as informações.

— O propósito maior, neste momento tão delicado para todos, é termos nosso foco centralizados nessas crianças que necessitam de toda atenção e cuidados. Quanto à interrupção temporária do funcionamento pedagógico da escola, a Secretaria de Educação acatará as determinações do Conselho Municipal de Educação que certamente encontra-se amparado legalmente para suas tomadas de decisões, bem como nos manteremos em contato e em um trabalho conjunto com as esferas envolvidas para promover a melhor forma de ações e encaminhamentos.

A secretária também colocou a pasta à disposição para acolhimento das crianças caso os pais assim desejarem.

Relembre os casos
Escola Maternal Colorindo o Mundo – Caxias do Sul
Conforme relatos de pais ouvidos pela reportagem, crianças do berçário da escolinha teriam sido agredidas por professoras. O caso foi descoberto a partir de gravações do sistema de monitoramento interno da escolinha. As imagens foram vistas em 31 de outubro durante a manutenção do equipamento realizada pelo pai de um dos alunos.

Um boletim de ocorrência foi registrado no dia 1º de novembro pela manhã. À tarde, a equipe da DPCA foi até a escolinha pela primeira vez para intimar a proprietária e as professoras. As imagens das câmeras de monitoramento interno mostravam os bebês e crianças nas salas de aulas e no refeitório. Nos vídeos, que vazaram nas redes sociais em dezembro, professoras foram flagradas agredindo as crianças.

A mãe de uma menina de dois anos relatou à reportagem que reconheceu a filha levando chutes, tapas na boca e beliscões nas filmagens. O pai de outra menina na mesma faixa etária contou que a filha gostava de ir para a escolinha, mas chegava em casa machucada. Ao assistir às imagens em 31 de outubro, a família viu a profissional sacudindo a menina, que cai e depois levantando a criança pelos braços.

De acordo com a denúncia, uma das ex-funcionárias é considerada foragida desde a expedição de mandado de prisão. Outra, que tem 20 anos, está presa desde o dia 17 de janeiro. As demais suspeitas respondem em liberdade, mas devem cumprir medidas cautelares requeridas pelo Ministério Público.

A proprietária da escola é representada pelo advogado Airton Barbosa de Almeida, que frisou:

— Minha cliente foi citada para apresentar defesa no prazo de 10 dias. As três ex-funcionárias serão citadas também. É o prazo para a defesa e arrolar testemunhas, apresentar documentos, etc. Futuramente, será marcada audiência. Sobre os fatos, nenhuma declaração. Em dois despachos, a juíza deixou claro que o processo é sigiloso, recomendando à Polícia Civil que evite publicações, inclusive em redes sociais, o que pode prejudicar o andamento do processo.

Escola Infantil Ludicamente – Serafina Corrêa
A investigação começou em 19 de janeiro para apurar suspeita de crimes contra crianças de idades entre sete meses e quatro anos. A escola é particular e não tem câmeras de segurança internas, somente externas. As duas diretoras foram presas por suspeita de maus-tratos e tortura contra crianças. Elas são investigadas por suspeita de que teriam mordido e sufocado alunos da Escola Infantil Ludicamente entre os anos de 2022 e 2024.

Além das suspeitas de abusos contra os menores, as duas teriam ameaçado funcionários para que obedecessem e não fizessem denúncias. As profissionais, que tem 26 e 28 anos, seguem no Presídio Estadual de Guaporé. Em 29 de janeiro, o Conselho Municipal de Educação determinou o fechamento, de forma cautelar e por tempo indeterminado, da escola. As identidades das mulheres presas não foram divulgadas pela polícia porque isso poderia expor as crianças.

A reportagem conversou com professores da escola, que pediram para não se identificar. De acordo com um deles, a situação foi informada aos pais no começo de janeiro por um professor recém-contratado que decidiu expor os maus-tratos. Este professor teria trabalhado no local por uma semana, quando pediu demissão por não compactuar com a forma como as diretoras supostamente tratavam alunos e funcionários.

Segundo outro professor, elas mordiam os bebês, que não poderiam contar aos pais, e também as crianças que estavam em fase de desenvolvimento da fala. Nesses casos, as diretoras supostamente ensinariam as crianças a “culpar” algum colega da escola, para que não dissessem os nomes das mulheres.

De acordo com a advogada Verônica Almeida, que representa a escola na área de Lei Geral de Proteção de Dados (LGBD) “todas as manifestações serão realizadas exclusivamente nos autos da instrução probatória. Não é nossa prioridade qualquer pronunciamento público. Acreditamos fielmente que todas as responsabilidades serão apuradas, mas principalmente, acreditamos no poder judiciário do RS.”.

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